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Incertezas não contribuem para sucesso da regularização

A Lei 13.254, de 13 de janeiro de 2016 (Lei 13.254/16), dispõe sobre o Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT), o qual prevê que, cumpridas todas as obrigações nele previstas, haverá a extinção da punibilidade de crimes tributários e outros relacionados a não declaração de bens, direitos e recursos de origem lícita localizados no exterior ou repatriados.

O RERCT se insere em um contexto de alteração dos paradigmas globais no que se refere à transparência das informações financeiras dos contribuintes. A própria Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem orientado os países para que adotem programas similares, a fim de oferecem aos indivíduos que não tenham declarado seus ativos mantidos no exterior uma última oportunidade de fazê-lo, antes da entrada em vigor de tratados sobre troca automática de informações fiscais.

Embora bem-vindo e acerte em grande parte, o programa brasileiro tem recebido inúmeras críticas relacionadas às imprecisões e incertezas geradas pela redação da lei, da Instrução Normativa no 1.627, de 11 de março de 2016, e das tentativas de esclarecimentos feitos pela Receita Federal por meio do “Perguntas e Respostas”. Dentre elas: a) a ausência de parâmetros para auferir o “valor presumido” dos bens inexistentes em 31 de dezembro de 2014; b) a incongruência entre as disposições legais e o posicionamento da Receita Federal com relação aos ativos já consumidos; c) a possibilidade de pagamento de tributo em duplicidade no caso de transferência dos ativos antes de 31 de dezembro de 2014; e d) a não extensão da extinção da punibilidade dos crimes aos partícipes.

Nesse cenário, um dos principais pontos controversos, ainda não solucionados, refere-se ao disposto no art. 11 da Lei 13.254/16, o qual estabelece que os seus efeitos não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação da lei.

A redação dada ao dispositivo, além de ser demasiadamente imprecisa e gerar questionamentos por parte dos contribuintes, não contempla pessoas que exerceram funções públicas no passado, mas não o exercem mais, o que beneficia políticos, funcionários públicos e seus parentes que deixaram suas funções antes da promulgação da lei.

Ademais, o dispositivo é claramente inconstitucional, conforme parecer já emitido pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau, tendo em vista que fere a presunção da inocência e o princípio da igualdade, não sendo razoável presumir que o patrimônio no exterior de titularidade de políticos, detentores de cargos públicos e seus parentes seja resultado de atos ilícitos contra a administração pública.

Soma-se a isso o injustificado recorte temporal para referida discriminação. A presunção de que todos os bens no exterior de propriedade do declarante em 31 de dezembro de 2014 seriam oriundos de atos ilícitos cometidos por ele, em decorrência do exercício de cargo ou função em 13 de janeiro de 2016, parece-nos desarrazoada, haja vista a lacuna temporal entre o período em que os bens eram mantidos pelo declarante e o período em que este passou a exercer cargo público.

O STF tem farta jurisprudência no sentido de que tratamentos desiguais só são admissíveis quando a desigualdade identificada entre os indivíduos que são tratados desigualmente tem relação direta com o objetivo do dispositivo legal.

A restrição a tais direitos fundamentais somente seria constitucionalmente justificável se não houvesse outros meios de perseguir o objetivo a que se dirige: evitar que recursos oriundos de práticas contra a administração pública sejam regularizados.

Ocorre que a Lei 13.254/16: a) proíbe a adesão de contribuintes cujos ativos tenham origem em atividade econômica ilícita; b) permite que, diante de indícios de prática de outros crimes não anistiados, as autoridades competentes investiguem a origem do patrimônio regularizado; e c) prevê que, na hipótese de identificação de declaração falsa quanto à licitude dos recursos, o contribuinte seja excluído do programa, recolha todos os tributos incidentes e se sujeite às sanções penais cabíveis.

Ante o exposto, para melhor atender ao anseio moralizante do referido artigo e dar mais efetividade ao dispositivo, dever-se-ia dedicar tratamento diferenciado, e mais rígido, para adesão ao programa não somente pelos “detentores de cargos públicos”, mas por todos os indivíduos contemplados pela definição de “pessoas politicamente expostas” desde a promulgação da Lei no 9.613, de 3 de março de 1998, nos termos das normas de prevenção à lavagem de dinheiro vigentes no país e em conformidade com os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, obrigando-as a declarar essa condição no formulário de adesão e autorizando a Receita Federal a compartilhar essas informações com o Ministério Público, para as investigações cabíveis, inclusive com relação à origem dos ativos regularizados.

Neste sentido, seria oportuna a revisão da legislação com relação aos pontos de incerteza expostos acima, inclusive com eventual extensão do prazo de adesão, o que contribuiria de forma decisiva para o sucesso do programa.

Acesso em: http://www.valor.com.br/financas/4616081/incertezas-nao-contribuem-para-sucesso-da-regularizacao#

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