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Decadência e Sumula STJ 555: Retrocesso, Degradação ou Inércia que implica perda do Direito de lançar

Honra-me a Associação Brasileira da Advocacia Tributária- ABAT com o prestigioso o convite para integrar o quadro de articulistas da entidade, mediante artigo de sintética reflexão que, mensalmente, vai integrar o espaço reservado em seu veículo comunicativo para inserção de “Opiniões” sobre matéria tributária de interesse dos associados.

Desde a formulação do convite já tinha em mente iniciar essa tarefa com comentário sobre a insegurança jurídica vivenciada nos últimos tempos, decorrente em grande escala de titubeios da própria doutrina que, inevitavelmente, acaba contribuindo para os constantes vacilos nas manifestações da jurisprudência. A intenção era começar por outro tema, mas fui logo alimentado pela Súmula nº 555, aprovada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e publicada no Diário da Justiça de 15.12.2015, que aborda o tema da decadência, verbete que tem a pretensão de definir a forma de contagem do prazo de 5 (cinco) anos para que o fisco possa promover a constituição do crédito tributário pelo lançamento. Transcrevo o seu enunciado:

Súmula 555. Quando não houver declaração do débito, o prazo decadencial quinquenal para o Fisco constituir o crédito tributário conta-se exclusivamente na forma do art. 173, I, do CTN, nos casos em que a legislação atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.

Na linguagem popular, corriqueira, o vocábulo “decadência” costuma ser utilizado para expressar o estado de degradação, algo que se encaminha para o fim, para a ruína. Foi nesse sentido a minha primeira impressão ao ler o enunciado aqui transcrito, na medida em que esse pronunciamento só pode contribuir para a degradação, para a ruína da jurisprudência em torno do tema.

Feito o desabafo, não se tem dúvida de que a edição da Súmula pelo STJ teve a clara pretensão de, de uma vez por todas, espancar as costumeiras controvérsias na aplicação das diferentes regras de contagem do prazo de decadência previstas no Código Tributário Nacional para a formalização do lançamento tributário, pois temos ali a regra excepcional para os tributos submetidos à sistemática da homologação – em que se enquadra a grande maioria deles – em que a lei atribui ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa), situação em que os 5 (cinco) anos devem ser contados a partir da data da  ocorrência do fato gerador do tributo (CTN, art. 150 § 4º), salvo as hipóteses de dolo, fraude ou simulação em que se aplica a regra geral que tem a contagem do prazo iniciada a partir do primeiro dia do exercício seguinte ao que o tributo poderia ser lançado (CTN, art. 173, inciso I).

Em torno dessas duas regras muita tinta já foi desperdiçada, seja pela doutrina tradicional que se limitava a repetir a obviedade ao enxergar a homologação somente diante de pagamento do tributo, assim como pela pretensiosa doutrina criativa de Eurico M. Diniz de Santi (“Decadência e Prescrição no Direito Tributário” – São Paulo: Max Limonad) que, longe de contribuir para a depuração das duas regras previstas no CTN, avançou para criar outras ali não previstas, fornecendo ferramental que foi tomado às cegas como diretriz pela jurisprudência na solução litígios sobre o tema, sem as devidas cautelas de simultaneamente olhar para a natureza do tributo ali discutido, como também para os regimes jurídicos previstos em lei complementar (CTN) para o seu lançamento.

O enunciado da Súmula nº 555 é reflexo desses desencontros. É bom lembrar que o STJ já havia deixado de lado a regra jurídica de incidência do tributo, insistindo no equívoco de dar relevância à existência de algum “pagamento” no período de apuração, como fator determinante para definir o regime de lançamento do tributo (homologação ou de ofício). Partindo, exclusivamente, dessa constatação fática (existência, ou não, de pagamento), o STJ já havia consumado outro equívoco ao utilizar esse critério para escolha da regra jurídica que fixa a contagem do prazo de decadência prevista no CTN (com pagamento – art. 150, § 4º; ou, sem pagamento – art. 173, inciso I). Essa diretriz restou consolidada perante o STJ, a ponto de ali ser alçada e aprovada no contexto do rito dos “recursos repetitivos”, previsto no art. 543-C do CPC, tema nº 163 que está retratado no REsp nº 973.733 – SC.

A função administrativa para a homologação, ou para a não homologação, não pode ficar restrita à obviedade de se examinar a existência de “pagamento”, pois este produz o efeito de extinguir o crédito tributário. Para além disso, o papel da homologação envolve o exame de toda a “atividade” que a legislação tributária reserva ao sujeito passivo para a apuração das bases tributáveis, quantificação dos tributos e informações a serem prestadas ao fisco. Portanto, o objeto da homologação é toda “atividade” desenvolvida pelo sujeito passivo e não só o pagamento, tanto que o art. 150 do CTN é claro ao mencionar que essa sistemática opera-se pelo ato da autoridade administrativa que, “tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa”. A construção linguística não deixa margem para dúvidas, pois ao utilizar o artigo feminino (“a”) só pode estar se referindo à “atividade”, enquanto que se a homologação estivesse voltada para o “pagamento”, necessariamente a expressão seria cunhada com o emprego do artigo masculino (“o”) – “… expressamente o homologa”.

No entanto, a despeito de estar consolidada e até pacificada a interpretação adotada pelo STJ que dá relevância a existência ou não de “pagamento” para definição da regra de decadência, o tema volta novamente ao cenário, agora ressuscitado pelo verbete da Súmula nº 555 que introduz um novo componente nessa definição (“declaração do débito”) que, a juízo do STJ, é também determinante para a escolha da regra de decadência prevista no CTN.

A primeira crítica vai para a econstrução do enunciado mediante formulação de juízo negativo para a hipótese. Afirma a Súmula nº 555 que “quando não houver declaração do débito” (hipótese), desloca-se a contagem do prazo de decadência, dos tributos submetidos ao regime da homnologação, para a regra do art. 173-I do CTN (consequência).

Ao começar o enunciado com hipótese verbalizada pela negativa, é possível utilizar o raciocínio a contrario sensu na tentativa de extrair o comando positivo do verbete. Assim, nessa dicotomia de normas jurídicas, se é certo que diante da ausência da “declaração do débito” a regra da decadência a ser aplicada é a do art. 173-I do CTN, a contrario sensu, quando “houver a declaração do débito” (regra positiva) aplicar-se-ia o art. 150, § 4º, em que a contagem do prazo de decadência inicia-se a partir do fato gerador do tributo.

No entanto, esse raciocínio desemboca em evidente contradição, pois se o sujeito passivo já apresentou a tal “declaração do débito”, torna-se desnecessário qualquer outro ato formal para a constituição do crédito tributário já identificado e quantificado, pois já existe equivalente lançamento que possibilita o exercício da pretensão do sujeito ativo em relação ao valor ali confessado (art. 5º, § 1º do DL 2.124/84). Dessa forma, é inócua e descabida tentativa de definição da regra de decadência para créditos já constituídos pela confissão do sujeito passivo, ainda que não pagos!

Por outro lado, estando pagos os tributos, mas não informados na tal “declaração do débito”, estaria o STJ cogitando de prazo para lançá-los? Veja-se que a contradição continua viva, pois parece evidente o equívoco de também atrelar o tema do “pagamento” na definição de regra de decadência, pois o que está pago não precisa ser lançado!

Portanto, longe de dirimir dúvidas, a nova Súmula nº 555 marcha contra a estrutura das diferentes regras do CTN para a contagem da decadência, assim como contra a funcionalidade do lançamento tributário, ato administrativo sempre necessário para os valores não confessados por meio da mencionada “declaração do débito”. Prevalecendo o enunciado negativo da Súmula, estará sepultada a regra de decadência prevista no art. 150, § 4º, do CTN, na medida em que, a teor da Súmula, o lançamento de ofício para “debitos não declarados” sempre seria regido pela regra de decadência prevista no art. 173-I do CTN. Não sobraria hipótese para a aplicação da outra regra jurídica (art. 150, § 4º) também reguladora da inércia da Fazenda Pública, a não ser que por “decadência” tomemos o sentido do retrocesso, da degradação, da ruína!

Por José Antonio Minatel, 04 de janeiro 2016

Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP). Professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas (SP), nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização em Direito Tributário). Professor do IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários . Ex-Delegado da Receita Federal em Campinas. Ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília. Autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado pela MP Editora (SP), em 2005. Autor do audiolivro “Tudo o que você precisa ouvir sobre o Imposto de Renda – Pessoa Física”, editado pela Saraiva, em 2010. Autor de vários artigos e capítulos de livros publicados sobre matéria tributária e processo administrativo tributário. Atua como advogado e consultor tributário.