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Administração Tributária: Inobservância de Prazos para Prática de Atos Exige Imposição de Consequências

Abre-se o texto da Constituição Federal e logo se vê específica diretriz estampada no seu art. 37, no sentido de que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.

No âmbito da administração pública federal, essa diretriz constitucional serviu de inspiração para o emparelhamento de outros princípios de observância obrigatória pelos agentes públicos, mediante certeiro comando inserido em lei federal estabelecendo que “a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência” (Lei nº 9.784/98, art. 2º).

A despeito dessa profusão de comandos principiológicos – que nem precisariam ser relembrados pelo texto da lei, diga-se de passagem –, a percepção que se tem é que não se consegue vê-los implementados de forma automática pela administração tributária, sendo corriqueira a necessidade de busca de tutela do Poder Judiciário para que se determine a prática de conduta óbvia: o cumprimento da lei pelo agente público.

 Dentre os muitos exemplos de embates que acabam roubando o tempo e entulhando os parcos espaços da agenda do Poder Judiciário, pode ser mencionada a inobservância de prazo previsto em lei para a prática de ato pela administração tributária, como acontece com o artigo 24 da Lei 11.457/07, ao estabelecer que “é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte”. Inobstante tratar-se de prazo legal, certo e determinado, tem sido menosprezado pela administração tributária, talvez encorajada pela inexistência de qualquer sanção expressa, ou outra consequência, para o descumprimento do referido prazo.

É bem verdade que essa intolerável acomodação vem sendo temperada com integração de outros efeitos pela jurisprudência, como acontece com determinação judicial para que sejam atualizados, pela aplicação da taxa SELIC, os valores concedidos a título de ressarcimento de créditos fiscais pleiteados pelos contribuintes, cujos pedidos não tenham sido examinados no mencionado prazo legal, matéria que está pacificada por julgamento sob o rito dos recursos repetitivos no STJ (REsp 1.035.847/RS). Esse entendimento está alinhado com o enunciado da Súmula nº 411, do mesmo STJ, que também assegura atualização de créditos escriturais, quando comprovada a resistência ilegítima do Fisco mediante a imposição de óbices para o aproveitamento desses créditos pelo contribuinte.

No entanto, é preciso reconhecer que, além de revelar-se árduo o trabalho para lapidação de consequências para a mora da administração tributária, esse aparente avanço forçado pelas decisões judiciais não tem sido suficiente para mobilizar a adoção de nova postura por parte dos agentes públicos, sendo frequente a alegação de excessiva carga de trabalho a impedir o natural cumprimento de prazo, muitas vezes seguida até de recomendação direta ao contribuinte para que busque ordem judicial, com a explicação de que com essa iniciativa, aí sim, será imediatamente atendida a determinação do magistrado.

Caminham na mesma direção as resistências opostas pelos contribuintes às pretensões da Fazenda Pública, uma vez que há impugnações e recursos administrativos interpostos há mais de 5 anos que aguardam pronunciamento do órgão encarregado de proferir a decisão. Nesses casos, parece razoável que também seja implementada consequência para o descumprimento do prazo legal de 360 dias, inércia que configura mora da administração tributária e não do contribuinte, sendo pertinente invocar a suspenção da fluência dos juros de mora até a data em que for notificado para cumprimento de eventual exigência tributária remanescente indicada na aguardada decisão.

É princípio comezinho, que contribui para imperatividade do direito e para a estabilidade das relações jurídicas, a estipulação de expressas consequências para a inobservância de prazos, sejam prazos para a prática de atos procedimentais ou processuais. Assim acontece com o prazo de cinco anos para o Fisco formalizar a pretensão tributária, inércia que acarreta a perda do direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento, nos termos das regras de decadência estampadas nos artigos 150, § 4º e 173 do CTN. Ali também está prevista a implicação para o decurso do prazo prescricional (artigo 174), trazendo como consequência a extinção do crédito tributário (artigo 156-V).

No âmbito do processo administrativo tributário da União, regulado com status de lei pelo Decreto nº 70.235/72, tem o contribuinte o prazo de 30 (trinta) dias (art. 15) para apresentar a sua resistência contra lançamento que formaliza a pretensão tributária pela Fazenda Pública, mediante impugnação que já deve estar acompanhada de toda a prova documental em que se fundamenta, “precluindo o direito de o impugnante fazê-lo em outro momento processual”, consequência rígida que foi estabelecida pelo § 4º, ali inserido, para limitar o momento processual de apresentação de provas.

Essas normas do processo administrativo tributário federal estão consolidadas em regulamento aprovado pelo Decreto nº 7.574/2011, mostrando-se diligente o regulamento para a estipulação de consequências diante da inércia do contribuinte, ao estabelecer que “eventual petição, apresentada fora do prazo, não caracteriza impugnação, não instaura a fase litigiosa do procedimento, não suspende a exigibilidade do crédito tributário nem comporta julgamento de primeira instância, salvo se caracterizada ou suscitada a tempestividade, como preliminar” (art. 56, § 2º).

No entanto, a despeito das atuais facilidades implementadas pelas novas tecnologias incorporadas pela administração tributária, não se vê igual iniciativa para a mora na prática de atos pela administração, com o objetivo de amenizar os conflitos da relação fisco x contribuinte. Pelo contrário, permanece na legislação do processo administrativo federal a regra geral estabelecendo que “o prazo para o servidor executar os atos processuais é de oito dias, contados da data da ciência da designação” (art. 8º do Decreto 7.574/2011), comando teórico que costuma ser ignorado por estar despido de qualquer consequência para o descumprimento desse específico prazo.

Mobilizou-se recentemente a administração tributária, é bem verdade, para inserir a regra geral do prazo de 360 dias (art. 24 da Lei 11.457/07) também no procedimento relacionado com o instituto da consulta tributária, mediante adição de específico comando no mencionado regulamento, estipulando que “a consulta será solucionada no prazo máximo de trezentos e sessenta dias, contado da data de protocolo” (§ 2º do art. 95 do Decreto nº 7.574/2011, incluído pelo Decreto nº 8.853, de 2016).

Mais uma vez, não se vê estipulação de consequência para a hipótese de a consulta não ser solucionada no prazo determinado. Todavia, na busca de mínima eficácia para esse preceito didático, é imprescindível assegurar absoluta validade para a interpretação adotada pelo contribuinte para a matéria submetida na consulta, impedindo que a inércia da administração tributária seja explorada em seu benefício, ficando proibida de exigir, retroativamente, diferença de tributo por interpretação divergente da que vem sendo adotada pelo contribuinte até a data em que for notificado da tardia orientação. Primando pelo acatamento dos princípios da razoabilidade, lealdade e da eficiência, é o mínimo que se espera.

José Antonio Minatel

Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP); professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas (SP), nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização em Direito Tributário); professor do IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; ex-Delegado da Receita Federal em Campinas; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília; autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado pela MP Editora (SP), em 2005; vários artigos e capítulos de livros publicados sobre matéria tributária e processo administrativo tributário; advogado e consultor tributário. Endereço para acessar detalhamento deste Currículo: http://lattes.cnpq.br/5015200878218164.