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Bonificações e Descontos Comerciais nas Compras não se Qualificam como Receita para Incidência de PIS/COFINS

É cada vez mais frequente a prática comercial em que fornecedor e adquirente de mercadorias da rede de varejo ajustam, já no momento da celebração do contrato de compra e venda, “descontos comerciais” que serão observados na posterior liquidação dessas operações, seja mediante utilização do crédito para pagamento de futuras compras, seja por meio de mercadorias que são remetidas pelo fornecedor e recebidas sem custo pelo adquirente (“bonificações”).

É controverso o tratamento tributário a ser atribuído à vantagem assim obtida pelo adquirente, sendo tema de muitos litígios instaurados entre fisco e contribuinte, principalmente no tocante às regras de incidência das contribuições da COFINS e do PIS. Isto porque, insiste a administração tributária federal em classificar esses valores como “descontos condicionais”, para em seguida considerá-los como “receita” da empresa beneficiária adquirente e, como tal, sujeitos à incidência das referidas contribuições.

No entanto, entendemos que essa classificação é relevante somente na perspectiva do vendedor, para que possa determinar o “valor da operação” no momento da venda, que servirá de base de cálculo para efeito de incidência de outros tributos, não para qualificar a vantagem do adquirente em “receita” ou “não-receita”. Na perspectiva do comprador de mercadorias adquiridas a prazo, ainda que o “desconto” esteja vinculado à liquidação no vencimento – desconto nitidamente “condicional” –, a vantagem obtida tem sempre a real natureza de redução de custo de aquisição e não de “receita”, confirmando a necessidade de ajustes na escrituração da empresa compradora para confirmar o valor do “custo” líquido, ou seja, o efetivo encargo suportado como “custo” das mercadorias adquiridas.

É certo que não há “receita” no momento do recebimento de “mercadorias bonificadas”, entendimento também reconhecido pela administração tributária para essa específica modalidade de “bonificação” (em mercadorias), assegurando que operações dessa natureza “não compõem a base de cálculo da Cofins, a título de receita obtida, correspondendo a um redutor do custo de aquisição das mercadorias. Neste caso, o valor a ser registrado como estoque das mercadorias é o efetivamente despendido na aquisição destas, segundo o princípio contábil do custo como base do valor, inexistindo receita vinculada às referidas bonificações, a título de recuperação de custos”. (Solução de Consulta nº 10/2009 – grifamos)

Dirimindo controvérsia sobre exigência de PIS e COFINS formalizada contra a pessoa jurídica beneficiada com “mercadoria bonificada”, com apoio nessas mesmas diretrizes o antigo Conselho de Contribuintes (atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF) também decidiu, pelo Acórdão nº 203-10.152, que “não se subsumem ao conceito de faturamento, nem no conceito de receita, a obtenção de desconto mediante a bonificação de mercadorias, eis que tais vantagens não se originam da venda de mercadorias nem da prestação de serviços, mas estão ligados essencialmente a operações que ensejam custos e não receitas”.

Deve ser destacada a perfeita acuidade do julgador, pois o reconhecimento da “receita”, em relação ao quantitativo de “mercadorias bonificadas”, dar-se-á quando do exercício da atividade empresarial que implemente sua alienação, em posterior operação onerosa de venda, oportunidade em que serão efetuados os registros pertinentes para dimensionar a “receita” auferida na operação.

Em outra oportunidade, afastando a pretensão do Fisco que exigia contribuições do PIS e da COFINS sobre supostas “receitas” relacionadas com entrada de quantitativo de “mercadorias bonificadas”, ou seja, sem “custos”, pelo Acórdão nº 3403-00.393 deliberou o CARF que “o recebimento de mercadorias em bonificação implica mera redução do respectivo custo unitário de aquisição. Redução de custo não equivale à receita e, portanto, não pode ser fato gerador da COFINS, nem mesmo após a vigência da EC n° 20/98”.

No entanto, em que pese o entendimento contrário do Fisco e de alguns julgados mais recentes do Tribunal Administrativo, sustentamos que também não pode ser tratado como “receita” o valor do “desconto financeiro”, já quantificado previamente nos contratos de fornecimento como redutor líquido e certo na definição do “preço”, seja a mencionada vantagem recebida em dinheiro, crédito em conta, ou utilizada como desconto financeiro na liquidação de duplicatas.

Além do “desconto financeiro” ajustado entre as partes caracterizar elemento redutor e definidor do “preço”, há outra razão determinante para não o enquadrar como “receita”, pois no momento em que a adquirente concretiza a operação de compra ainda não há atividade que é imprescindível à obtenção da “receita”, tampouco ingresso financeiro. Pelo contrário, no recebimento de “mercadorias bonificadas”, ou da confirmação de “desconto financeiro” que torna definitiva a redução do custo e confirmação do “preço” da operação, é pertinente a aferição de conteúdo de outra realidade: a mensuração dos “custos” dos bens adquiridos, cuja redução não pode transformar “custos” em “receita”.

Nesse sentido, reitera-se que as “bonificações” como gênero – abrangendo também os chamados “descontos financeiros” vinculados às compras – não podem ser catalogadas com o rótulo de “receita”, nem mesmo quando assim registradas na escrituração contábil com o objetivo de neutralizar encargo anterior registrado a maior, por faltar-lhes os predicados jurídicos inerentes ao conceito de “receita” enquanto base de cálculo das contribuições do PIS e da COFINS. A propósito da irrelevância da forma do registro contábil nesse tema, registra-se a existência de manifestação da Suprema Corte (RE nº 606.107-RS), proferida no rito da “repercussão geral” de que tratava o art. 543-B do antigo CPC, cuja ementa é elucidativa ao concluir que “V – O conceito de receita, acolhido pelo art. 195, I, “b”, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil”.

A despeito da racionalidade desses fundamentos registra-se que, com a integral reformulação do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais no final do ano de 2015, essa matéria tem sido reavaliada na apreciação dos novos recursos administrativos, constatando-se a mudança do entendimento nos processos atualmente submetidos a julgamento perante a CSRF, a partir de 2016.

Com efeito, adotando a singeleza da premissa de classificar essas “bonificações”, obtidas pelo comprador, como “condicionais”, por enxergá-las equivocadamente na perspectiva do vendedor como dependentes de condição futura, a CSRF tem mantido os autos de infração lavrados pelo Fisco, deliberando em 26 de abril de 2016, pelo Acórdão nº 9303-003.810, no sentido de que “as bonificações condicionais, concedidas em razão de obrigações contratuais, sujeitas a evento futuro, que não foram consignadas na nota fiscal de entrada e não reduziram o Custo das Mercadorias Vendidas não representam redução de custo. Trata-se de receita a ser considerada quando da apuração da contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins”.

No entanto, acreditamos ser ainda prematura a ideia de tomar o conteúdo dessas decisões, prolatadas pelo novo colegiado da CSRF, como se fossem orientações firmes e definitivas da jurisprudência sobre a matéria. Pelo contrário, o debate em torno do tema continua acirrado nos julgamentos perante o CARF, como se vê de recente decisão (Acórdão nº 3402­003.071, de 17 de maio de 2016) confirmando não se qualificar como “receita” a bonificação recebida como ajuste de “preço” de operações sujeitas às regras do preço de transferência.

Essa assertiva também está sustentada nas atuais diretrizes ditadas pela ciência contábil que asseguram primazia da essência sobre a forma, de onde se extrai que essas “bonificações” devem ser tratadas como parcelas redutoras na determinação do “custo de aquisição” das mercadorias, e não como efetivas “receitas” da beneficiária.

Espera-se que os debates em torno do tema façam convergir a jurisprudência, de forma a valorizar o conteúdo do negócio jurídico (contrato de compra e venda) do qual decorrem as questionadas “bonificações”. Relembrando ensinamentos de John Maynard Keynes “cultivar novas ideias não é tão difícil. Difícil é livrar-se das velhas.”

Entendemos que essas vantagens previamente ajustadas entre fornecedor e comprador, devidamente comprovadas mediante documentação hábil (contrato escrito), devem ser tratadas prontamente pela adquirente com a natureza de redutor do custo de aquisição, pelo que deve ser considerada imprópria e inadequada a pretensão da administração tributária de incluir tais “bonificações” na base de cálculo das contribuições do PIS e COFINS.

José Antonio Minatel

Mestre e Doutor em Direito Tributário pela PUC-São Paulo (SP); professor de Direito Tributário na Faculdade de Direito da PUC-Campinas (SP), nos cursos de graduação e pós-graduação (especialização em Direito Tributário); professor do IBET-Instituto Brasileiro de Estudos Tributários; ex-Delegado da Receita Federal em Campinas; ex-membro do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda em Brasília; autor do livro “Conteúdo do Conceito de Receita e Regime Jurídico para sua Tributação”, publicado pela MP Editora (SP), em 2005; vários artigos e capítulos de livros publicados sobre matéria tributária e processo administrativo tributário; advogado e consultor tributário. Endereço para acessar detalhamento deste Currículo: http://lattes.cnpq.br/5015200878218164.